Jornalista, tradutor, poeta e crítico literário, foi pioneiro do trotskismo brasileiro, tendo sido membro do Partido Comunista do Brasil (PCB) e, mais tarde, fundador do Grupo Comunista Lênin e da Liga Comunista Internacionalista Por José Eudes Baima Bezerra * XAVIER, Lívio Barreto; “L. Lyon”, “L. Mantsô” (brasileiro; Granja/CE, 1900 – São Paulo/SP, 1988) 1 – Vida e práxis política De família abastada, Lívio Xavier foi uma criança cercada dos confortos possíveis naqueles tempos e paragens do interior do Ceará, mesmo sendo o terceiro de uma família de 13 rebentos. Teve como pais Elisa Barreto Xavier e Ignácio Xavier – quem de início foi caixeiro-viajante e mais tarde se associou ao poderoso comerciante Carvalho Mota, o que lhe permitiria constituir uma empresa própria (chegando a ser tratado como “coronel”). O pai do futuro revolucionário era adepto da reacionária oligarquia dos Acciolys, laços que resultaram em facilidades usufruídas depois pelo filho – quando teve de se deslocar a Fortaleza para estudar. A formação espiritual de Lívio Xavier, seu ingresso no universo da leitura e da escrita, começou muito cedo, por volta dos cinco anos de idade, quando sua inteligência já chamava a atenção – influenciado por sua mãe, que lia muito, e pelo contato com os negociantes que transitavam na firma do pai. Porém, seu caráter questionador também o afastava da participação nas tradições locais, especialmente as religiosas, às quais dedicava indiferença no que dizia respeito à doutrina, mas não em relação aos aspectos cênicos dos rituais, que o fascinarão até a idade adulta. Além da fruição estética, a vida religiosa na pequena Granja (ainda mais tendo como padrinho de crisma o próprio bispo diocesano) era um sinal de distinção social; mas ele nunca chegou a ser um fiel. Desde os primeiros estudos na escola, exerceu em paralelo um intenso autodidatismo, já que a família constituíra um bom acervo de livros célebres: de Victor Hugo, Herculano e Júlio Diniz a José de Alencar, Joaquim Manuel de Macedo e Olavo Bilac. Aos 13 anos, partiu do porto de Camocim, cidade litorânea mais próxima de Granja, para Fortaleza, onde levaria a cabo os estudos secundários e viveria sob a proteção dos amigos ilustres da família – até se mudar para o Rio de Janeiro para cursar direito. A evolução política de Xavier, de jovem intelectual inquieto – insatisfeito com o estado de coisas – até sua militância comunista, passou pela amizade e camaradagem com outro nordestino, o pernambucano Mário Pedrosa, seu colega na Faculdade de Direito, no Rio de Janeiro. Os amigos compartilhavam interesses pelos temas da arte, da literatura e da política. Com efeito, ambos se tornaram fortes referências ao longo do século XX, no cenário da cultura brasileira: Pedrosa na teoria e crítica de arte, Xavier na crítica literária e teatral. Nos agitados anos 1920, os companheiros se lançaram juntos na jornada revolucionária. A trajetória de ambos em direção ao comunismo foi alicerçada numa intensa e ininterrupta reflexão comum, testemunhada por uma alentada correspondência, que foi recuperada e publicada na obra Solidão revolucionária, de José Castilho Marques Neto (1993). Em cartas escritas desde 1923, Pedrosa e Xavier discutiam apaixonadamente acerca dos nomes mais inovadores da literatura europeia do século anterior e faziam referência aos novos autores surrealistas, como André Breton, o que desempenhará certo papel na adesão dos amigos ao Partido Comunista do Brasil (PCB) e, depois, sua deriva no seio da Oposição comunista. Os surrealistas franceses, desde seu primeiro Manifesto, estabeleciam uma relação entre arte, literatura e revolução proletária que os dois companheiros, na medida do possível, acompanharam em tempo real. Lívio Xavier e Mário Pedrosa não fizeram parte do agrupamento de militantes que fundou o PCB em 1922, mas desde muito cedo acompanharam a atividade do Partido, sob o impulso dos ecos da Revolução Russa de outubro de 1917. Em seus diálogos, estavam presentes referências a Lênin, Trótski e à revolução socialista na Rússia. Pedrosa, por esta época, mostrava-se impressionado com a intransigência revolucionária de Lênin e com a potência imaginativa da prosa de Trótski, que lia nas versões em francês. Entre 1925 e 1927, entre idas e vindas entre o Nordeste e o Rio de Janeiro, Xavier e Pedrosa se envolveram indiretamente em atividades do PCB, em especial participando da criação da Revista Proletária, que teve apenas uma edição, na qual Xavier contribuiu com o artigo “Partido e revolução”. Em 1927, filiou-se ao PCB. Por esta época, chegava ao ápice a luta interna na Internacional Comunista (IC), cujas tensões iniciais ocorreram quando Lênin, principal dirigente da Revolução de Outubro de 1917, ainda estava vivo, mas que tomaram maiores proporções após sua morte. A crise tinha como pano de fundo o fato de que a Rússia, numa situação de virtual desaparecimento físico da geração que fizera a Revolução de 1917 (fruto da guerra civil e da invasão do país por várias potências estrangeiras), com a atividade industrial e a população operária tendo caído abaixo da de 1917, teve de apelar à reintrodução dos mecanismos de mercado, com o objetivo de reativar a vida econômica. O Estado soviético, o Partido Comunista da União Soviética (PCUS) e a IC receberam, num tempo histórico curto, uma nova leva de membros egressos das camadas sociais beneficiárias das medidas de mercado (adotadas de forma emergencial). Neste cenário, em 1924, Stálin ascendeu ao poder, vindo a consolidar sua posição hegemônica em 1928. Dadas as circunstâncias, anunciou-se então um novo rumo político, baseado na teoria do socialismo num só país – elaborada por N. Bukárin, que advogava que o socialismo poderia ser atingido na União Soviética mesmo em meio a regimes capitalistas hostis. A partir de 1923, Trótski iniciou a resistência a esse processo, mas, paulatinamente, os partidos da IC aderiram ao stalinismo. Em 1927, Trótski foi destituído do Comitê Central do PCUS, e em 1928 foi deportado, iniciando uma jornada de exílio. Lívio Xavier e Mário Pedrosa aderiram formalmente ao PCB justamente no momento em que chegavam ao Partido os ecos desta divergência ocorrida no PCUS. No Brasil, a crise teve três pontos-chave:Continuar lendo “O marxismo de Lívio Xavier”