O marxismo de Octávio Brandão

Farmacêutico, jornalista, editor e radialista, foi dirigente político e um dos primeiros teóricos do Partido Comunista do Brasil (PCB) Por Gilberto Maringoni e Paulo Alves Junior * BRANDÃO REGO, Octávio (brasileiro; Viçosa/AL, 1896 – Rio de Janeiro/RJ, 1980) 1 – Vida e práxis política Octávio Brandão nasceu e passou seus primeiros anos em Viçosa, cidade do interior de Alagoas, núcleo de uma região produtora de açúcar dominada por oligarquias agrárias e com pouco desenvolvimento social. Segundo suas memórias, sua formação se deu no seio de uma “pequena-burguesia urbana empobrecida”, que embora adepta de ideias progressistas, era vítima do poder de grandes proprietários rurais “semifeudais”. A morte da mãe, quando Brandão tinha apenas quatro anos, o afetou muito. A partir daí viveria com um tio, em uma pequena casa tipicamente cabocla, no engenho do Barro Branco, regressando à Viçosa só quando seu pai voltou a se casar. Frequentou a Escola Silva Jardim, no ensino fundamental, na qual teria um primeiro contato com ideias evolucionistas, por meio de um professor. Em 1911, quando já morava com outro tio em Maceió – estando matriculado no Colégio Marista –, ficou órfão também de seu pai, homem de ideias republicanas e progressistas. Apesar de criado em um meio conservador católico, rompeu com a religião aos 16 anos, influenciado pela educação paterna, que lhe incutira o questionamento à hipocrisia social; este foi um marco emocional e intelectual dessa fase de sua vida na capital alagoana. Além disto, a percepção da situação de miséria da maior parte da população e o impacto das notícias da Revolta da Chibata (1910) e das greves operárias no Sudeste atraíram cada vez mais sua atenção para os graves problemas do país. Entre 1912 e 1914, residiu na capital pernambucana, onde se diplomou na Escola de Farmácia do Recife (atualmente parte da Universidade Federal de Pernambuco). Logo após a formatura, regressou a Maceió. Ali tomou contato com as principais obras da literatura universal e desenvolveu um agudo interesse científico, o que o fez se voltar para as ciências naturais. Aos 20 anos, empreendeu uma série de viagens pelo interior de seu estado para conhecer sua formação geológica e riquezas naturais. Baseado nestas pesquisas, em 1916 começou a escrever Canais e lagoas (publicado em 1919) – livro que descreve o complexo hídrico Mundaú-Manguaba e pode ser visto como uma das primeiras pesquisas ecológicas brasileiras. Sobre o tema, pronunciou também diversas conferências em Maceió, mostrando evidências da existência de petróleo na região e desde cedo observando a importância que poderia ter a prospecção petrolífera para a economia brasileira. No ano de 1918, começou a escrever para imprensa anarquista – colaborando com o Diário de Pernambuco e tendo fundado o jornal O Povo. À época, vinculou-se também a movimentos de trabalhadores urbanos e rurais, defendendo a jornada de 8 horas e a reforma agrária. Foi preso pela primeira vez em 1919. Depois de libertado, passou a ser perseguido, o que o fez partir, no mesmo ano, para o Rio de Janeiro – onde residiria até 1931, quando foi forçado a deixar o país. Na capital da República, travou contato com o mundo intelectual e político, em especial com Astrojildo Pereira (1890-1965) – que viria a ser um dos fundadores do Partido Comunista do Brasil (PCB), em março de 1922. Ali, o alagoano se mostraria impressionado com as mobilizações operárias, tendo se aprofundado nos estudos sobre a Revolução Russa. Passou então a escrever nos jornais anarquistas A Plebe, A Vanguarda e na Revista do Brasil (de São Paulo, dirigida por Monteiro Lobato), colaborando ainda com o Spartacus e o Imparcial (Rio de Janeiro), além da revista alemã Ekenntnis und Befreiung [Reconhecimento e Liberação]. Com tais atividades, teve acesso à literatura marxista que chegava ao país – e vem desses tempos sua desilusão com o anarquismo e sua rápida adesão às ideias de Marx e Engels. Em 1920, passou a integrar o integrar o Grupo Comunista Brasileiro Zumbi. Casou-se no ano seguinte com a poetisa e sua companheira de lutas, Laura Fonseca da Silva. Embora não seja um dos fundadores do PCB, Octávio Brandão acompanhou seu desenvolvimento desde o início. Aderiu ao Partido, a convite de Astrojildo, em outubro de 1922. Logo se tornaria dirigente (membro da Comissão Central Executiva) e começaria a estudar metodicamente os clássicos marxistas. No período, adquiriu uma pequena farmácia, estabelecimento que viria a ser uma espécie de escritório e ponto de encontro de militantes populares. Suas pesquisas sobre a Revolução Bolchevique de Outubro resultaram no livro Rússia proletária, escrito neste mesmo ano. Em 1923, já integrando o Comitê Central do Partido, empreendeu uma ousada tarefa: traduzir para o português o Manifesto Comunista, de Karl Marx e Friedrich Engels – a partir da edição francesa revisada pelo próprio Engels. No mês de julho do ano seguinte, explodiu em São Paulo uma revolução que tinha como objetivo derrubar o governo do presidente Arthur Bernardes (1924-28) – que manteve um Estado de sítio permanente ao longo de todo o mandato. Perseguido pela repressão, Octávio Brandão viveria na ilegalidade entre 1924 e 1926, mantendo-se atento aos acontecimentos. Em uma tentativa de dar resposta às questões políticas levantadas pela insurreição, ainda em 1924 redigiu grande parte de sua mais importante obra, Agrarismo e industrialismo – elaborada com colaboração da direção do PCB –, a qual seria complementada e publicada dois anos depois sob o pseudônimo de Fritz Mayer (usado para despistar a polícia). Em 1925, Brandão foi um dos fundadores e o primeiro editor de A Classe Operária, órgão oficial do PCB. À época, ministrou também cursos de teoria política para grupos de operários, em um paciente trabalho de formação, além de fazer panfletagens e vários discursos em manifestações públicas. Em 1927, tornou-se editor-chefe do diário A Nação – que difundia as ideias comunistas entre os trabalhadores. No mesmo ano, com Astrojildo Pereira e outros dirigentes e ativistas, fundou o Bloco Operário, fachada legal do Partido (então na clandestinidade) – uma organização legal e de massas, cujo nome, em 1928, passou a ser Bloco Operário eContinuar lendo “O marxismo de Octávio Brandão”

Dictionary Marxism in America: a historical rescue of militant memories

After decades of collective work, public access is now available to a series of publications that brings back the historical memory of the first Marxists in the Americas

Le marxisme de Luiz Carlos Prestes

Leader révolutionnaire et dirigeant du Parti communiste brésilien, il a participé à de nombreux événements historiques (tenentismo, Alliance Nationale de Libération). Il a légué une contribution importante pour comprendre la Révolution au Brésil.

Dictionnaire Marxisme en Amérique : une récupération historique de mémoires de lutte

Cette œuvre rend compte de la vie, de la pensée et de la praxis politique des premiers marxistes des nations américaines. Nous la rendons publique après des années de travaux collectifs.

Diccionario marxismo en América: un rescate histórico de memorias combativas

Luego de media década de trabajo colectivo, se empieza a publicar esta obra que registra la vida, el pensamiento y la práctica política de los primeros marxistas de las naciones americanas Por Yuri Martins-Fontes, Joana Coutinho, Pedro Rocha Curado, Felipe Deveza, Paulo Alves Jr. y Solange Struwka * [Traducción del portugués: Claudia Marcela Orduz Rojas y Yodenis Guirola]   El Diccionario marxismo en América es una obra de recuperación histórica de la memoria de los primeros pensadores y militantes que, desde el referente teórico del materialismo histórico, se dispusieron a reflexionar y enfrentar los problemas sociales, políticos y económicos de las nuevas naciones americanas, iniciando el desarrollo del pensamiento-lucha marxista en el continente. Obra educativa y crítica de características inéditas, especialmente en lengua portuguesa, el proyecto es coordinado por el Núcleo Práxis de Pesquisa, Educação Popular e Política de la Universidade de São Paulo –organización que se dedica a actividades políticas y de educación popular– y cuenta actualmente con casi un centenar de investigadores voluntarios, de diferentes países, en esta investigación arqueológica sobre los orígenes del marxismo en las Américas. Los primeros tomos, previstos para más de mil páginas, contienen entradas que abarcan biografías y ensayos sobre las ideas y la praxis política de unos 150 marxistas que vivieron, escribieron y actuaron en los países americanos – en un período que va desde el siglo XIX (formación del marxismo en el continente), hasta la década de 1970 (cuando se agudiza la crisis estructural capitalista y se multiplican los marxismos). Por ahora, después de media década de esfuerzos colectivos, el diccionario marxista comienza a hacerse público gradualmente: sus entradas pueden leerse libremente en línea, en forma de “artículos”, disponibles periódicamente en el portal del Núcleo Práxis-USP y luego republicadas por destacados portales asociados. Esta degustación preliminar —del primer volumen, relativo al período de formación del marxismo en América— se extenderá a lo largo de los próximos dos años con el objetivo tanto de divulgar la obra (cuyo objetivo no es sólo teórico, sino también educativo), como de brindar espacio para lecturas críticas y posibles mejoras de los textos, antes de llegar al público en formato de libro. Próximamente, la publicación completa será editada por las Edições Práxis en coedición con la Editora Expressão Popular, y tendrá dos ediciones: una impresa (a precios populares) y otra digital (gratuita). Comienzos de la obra En 2015, los fundadores del Núcleo Práxis-USP, entre encuentros políticos y debates del Grupo de Estudios sobre el Marxismo (uno de sus primeros proyectos), pensaron en ampliar las actividades del colectivo hacia la educación popular. Era un momento difícil, en que se gestaba el golpe de Estado en Brasil, el cual se concretó al año siguiente. En ese contexto, se consideraron dos nuevos proyectos: un foro de discusión sobre derechos sociales (que se creó un poco más tarde, en colaboración con asociaciones y comunidades de la ciudad de São Paulo); y una antología, crítica y didáctica a la vez, que reuniera ensayos de destacados marxistas latinoamericanos, con el fin de ofrecer a estudiantes y trabajadores un panorama de las teorías y prácticas marxistas desarrolladas en nuestra América. En ese proceso, el coordinador general del Núcleo Práxis, Yuri Martins-Fontes, en una reunión en el Laboratorio de Economía Política e Historia Económica de la USP presentó la idea al profesor Wilson do Nascimento Barbosa, quien dirigía las investigaciones de la entidad. En una tarde de diálogo, la idea se afinó y amplió. En lugar de una antología, con artículos complejos, que tendería a restringirse al territorio académico —se pensó: ¿por qué no juntar más esfuerzos y producir una obra más grande, una publicación educativa, de referencia, con textos más cortos pero que lograra presentar la gran diversidad de problemas y corrientes del marxismo desarrolladas por más de un siglo a lo largo del continente —un libro que pudiera servir no solo a los estudios secundarios y universitarios, sino también contribuir a la formación política de los jóvenes socialistas? La semilla estaba plantada. El proyecto fue escrito y presentado a una prestigiosa editorial, que requirió una entrada, como ejemplo. El coordinador respondió a la solicitud, elaborando un primer texto sobre Mariátegui, basado en el modelo que había desarrollado recientemente en su tesis sobre el marxismo latinoamericano (luego publicada como Marx na América: a práxis de Caio Prado e Mariátegui). La editorial aprobó la publicación, aunque destacó que en ese momento no podía dedicarse a la producción del proyecto. La realidad nacional – económica, social, cultural- que no era favorable, pronto se deterioró. El Núcleo Práxis-USP contaba entonces con poco más de una decena de miembros, pocos de los cuales estaban dispuestos a emprender la aventura. Sin apoyo material, o como mínimo estructural, el plan fue archivado. El Renacimiento En 2018, el Núcleo Práxis experimenta un período de crecimiento como resultado del dinamismo en torno a sus proyectos —en particular el Grupo de Estudios (que entonces leía El Capital, de Marx), la traducción colectiva Historia y Filosofía (selección de Caio Prado Júnior, publicada en 2020 en Argentina), y el Fórum de Formação Política de Lideranças Populares (cuyas conversaciones periódicas reunían a educadores y líderes comunitarios). Muchos militantes —investigadores de diferentes áreas, universidades y países —se suman al colectivo. Con este movimiento de expansión, la organización gana aliento y fuerza para considerar nuevas acciones. Las reuniones sobre posibles rumbos se sucedieron hasta que es aprobado el propósito de construir una publicación periódica: una revista política de carácter popular, que ofreciera a estudiantes y trabajadores una voz discordante en aquel ambiente fascista que reverberaba en el país —una época de creciente irracionalidad, si no apoyada, sí consentida por los grandes medios de comunicación y demás fuerzas neoliberales, irritadas por las reformas sociales (básicas) de los gobiernos populares. Nuestra experiencia con publicaciones periódicas era escasa —limitada a unos pocos miembros que, en la década de 2000, durante algunos años, habían editado el tabloide A Palavra Latina. Por otra parte, el buen momento del colectivo se notaba en la propia intención, manifiesta por varios de los participantes, de implicarse en un proyecto periódico de largo plazo. Hay un ir y venir de propuestas y debates hastaContinuar lendo “Diccionario marxismo en América: un rescate histórico de memorias combativas”

O marxismo de Mário Pedrosa

Jornalista, crítico de arte e sobretudo um militante revolucionário internacionalista, defendeu a necessidade da revolução socialista brasileira, sob a liderança dos trabalhadores — organizados em partido próprio Por Everaldo de Oliveira Andrade * [PDF] PEDROSA, Mário (brasileiro; Timbaúba/Pernambuco, 1900 – Rio de Janeiro, 1981) 1 – Vida e práxis política Mário Xavier de Andrade Pedrosa nasceu na Zona da Mata pernambucana. Foi desde a juventude um filho desgarrado. Sua família era originária de senhores de engenho do Nordeste, que se voltaram depois para a administração pública; seu pai, Pedro da Cunha Pedrosa, foi senador e ministro do Tribunal de Contas. Mário Pedrosa foi enviado pela família, em 1913, para estudar na Europa, e lá ficou até 1916. Entre 1920 e 1923, na Faculdade Nacional de Direito do Rio de Janeiro, tomou contato com as ideias socialistas e o marxismo, despertando para a vida política e intelectual a serviço da classe trabalhadora, luta de que jamais se separaria; formou-se em 1923, mas sua vida tomaria outros caminhos. Ele fez parte da primeira geração de militantes comunistas do Brasil que aderiam à luta revolucionária no momento seguinte à Revolução Russa (1917). Em 1925, se aproxima do PCB através do jornal A Classe Operária. No ano seguinte, filiou-se ao partido, e em março de 1927 começou a trabalhar em João Pessoa (PB) como agente fiscal, mas logo desistiu da profissão. Em São Paulo, assumiu o trabalho de organização do Socorro Vermelho (que apoiava prisioneiros políticos comunistas). Na mesma época, passou a escrever regularmente para a revista teórica do partido, e trabalhou como jornalista no jornal Folha da Manhã. No final de 1927 foi indicado pela direção do PCB para frequentar a Escola Leninista em Moscou, curso de formação de militantes da III Internacional. Em novembro de 1927, já em Berlim, aprofundam-se as crises políticas no interior do PCUS, na URSS. Ele ficaria na Europa até 1929, e aí aderiu às propostas da Oposição de Esquerda russa (dirigida então por Trótski, Kamenev e Zinoviev), que se contrapunha ao poder de Stálin. Mário voltou ao país em 1929, disposto a construir um núcleo da Oposição de Esquerda no PCB, e encontrou uma polêmica no partido – sobre alianças políticas –, que opunha Rodolpho Coutinho à maioria da direção. Iniciou então a organização do Grupo Comunista Lênin (GCL), lançado oficialmente em 1930, com a publicação do jornal Luta de Classes. Em 1933, junto a outros militantes, fundou a Editora Unitas, que passaria a publicar textos e livros revolucionários. Com a formação, em 1931, da Oposição Internacional de Esquerda, o grupo liderado por Pedrosa muda de nome para Liga Comunista do Brasil (LCB). Atuam com o objetivo de combater, dentro da III Internacional (IC), o stalinismo, visto como uma orientação que se afastava das bandeiras democráticas e revolucionárias. Nesse período, a IC se inclinava a uma política antifascista, de colaboração de classes com setores das burguesias. Ademais, agravava-se a pressão contra adversários do stalinismo, com muitas expulsões por divergências com a direção – ocasião em que sofreram perseguições inclusive antigos bolcheviques, que tinham sido companheiros de Lênin. No Brasil, Mário Pedrosa liderou a resistência, em particular a defesa da unidade da classe trabalhadora no combate ao fascismo – que se erguia. Em São Paulo, é formada a FUA (Frente Única Antifascista), agrupando muitas organizações socialistas e anarquistas, que passa a editar o jornal O Homem Livre (no qual Pedrosa publicou vários textos). Em 1934, a FUA decidiu impedir o desfile dos fascistas integralistas em São Paulo; ocorreu um confronto armado na Praça da Sé, e Pedrosa foi um dos atingidos por tiros. Nos anos seguintes, há novos choques políticos. Os comunistas brasileiros alinhados com Moscou, orientados pela IC a buscarem uma aliança com a burguesia, criam a ANL (Aliança Nacional Libertadora) – em uma tentativa de frente democrática ampla. Contudo, a aventura militar comunista de 1935 serviria como pretexto para a repressão ao conjunto das organizações dos trabalhadores, facilitando o caminho para a ditadura de Vargas. Pedrosa criticava a ANL, por ter nascido de um acordo entre dirigentes do Partido Comunista e alguns militares e políticos pequeno-burgueses. Sua ação ganhou praticamente toda a seção paulista do PCB, liderada por Hermínio Sachetta, num momento de crescentes perseguições (ditadura do Estado Novo). Pedrosa exilou-se na França, em 1937, fugindo da polícia varguista, e logo se integrou às tarefas políticas do movimento pela IV Internacional, um desdobramento da Oposição Internacional de Esquerda. Em 1938, em conferência realizada em Paris, foi delegado, representando as seções latino-americanas; ao final foi eleito representante da América Latina e membro do I Comitê Executivo da IV Internacional. No ano seguinte, mudou-se para Nova Iorque com toda a direção da IV Internacional, recém-eleita, e dois anos depois se afastou da organização, por discordar da proposta de defesa incondicional da URSS. Com o fim da guerra em 1945 e sua volta ao Brasil, Pedrosa dirige a publicação do jornal Vanguarda Socialista no Rio de Janeiro, agrupando antigos simpatizantes. O grupo em torno do jornal aproximou-se de outros grupos socialistas contrários ao stalinismo, e daria origem à chamada “Esquerda Democrática”, que teve seu manifesto de fundação aprovado em agosto de 1945; já em agosto de 1947, adota o nome de Partido Socialista Brasileiro (PSB), que duraria até 1965. Em 1956 o coletivo liderado por Pedrosa e Raquel de Queiroz se afasta e forma a Ação Democrática. Ao mesmo tempo que exercia ativamente sua militância política, Mário Pedrosa  desenvolveu a atividade profissional de crítico de arte – sempre baseando sua análise no marxismo –, por meio de que buscou libertar a arte brasileira do seu isolamento nacional, provinciano. Defendeu para arte brasileira a necessidade da renovação da experiência, do espírito ventilado e internacionalista, valorizando ao mesmo tempo a identidade local. Tratava-se de um posicionamento político e libertário em relação à produção e criação artística, que se chocava de um lado com o nacionalismo conservador, mas também com o realismo socialista e panfletário dos artistas ligados ao PCB ou em sua esfera de influência. Esteve presente nos grandes eventosContinuar lendo “O marxismo de Mário Pedrosa”

O marxismo de Luiz Carlos Prestes

Líder revolucionário e dirigente do Partido Comunista Brasileiro, protagonizou eventos históricos (Tenentismo, Aliança Nacional Libertadora), legando importantes contribuições para a compreensão da Revolução Brasileira Por Anita Leocadia Prestes * [PDF]   PRESTES, Luiz Carlos; “Cavaleiro da Esperança” (brasileiro; Porto Alegre, 1898 – Rio de Janeiro, 1990) 1 – Vida e práxis política Nascido em Porto Alegre (RS), filho de Antônio Pereira Prestes, oficial do Exército que participou do movimento republicano de 1889, e Leocadia Felizardo Prestes, o jovem Prestes acompanhou os pais e as irmãs para viver no Rio de Janeiro em busca de tratamento para o pai, acometido de grave enfermidade. Em 1908, com o falecimento do pai, a família atravessa grandes dificuldades financeiras, enfrentadas com coragem por Leocadia na educação do filho e das suas quatro irmãs. Órfão de oficial do Exército, o jovem Prestes, gozando da gratuidade do ensino, ingressa no Colégio Militar, dando início aos onze anos à carreira militar. Aluno brilhante, em 1916, matricula-se na Escola Militar de Realengo (RJ), continuando sua formação como engenheiro militar, concluída em 1919, passando a servir na Companhia Ferroviária em Deodoro (RJ). Promovido a primeiro-tenente, Prestes participa da conspiração tenentista iniciada em 1921 e da preparação do levante de 5 de julho de 1922 na capital da República, do qual, acometido de tifo, não pôde participar. Derrotado em poucas horas, o movimento tornou-se conhecido com o Levante do Forte de Copacabana ou “Os 18 do Forte”. Sob a suspeita de conspirar contra o governo, o então capitão Prestes é transferido para o Rio Grande do Sul com a missão de fiscalizar a construção de quartéis. Suas denúncias da corrupção nessas unidades levaram as autoridades a transferi-lo para o comando de uma companhia do Primeiro Batalhão Ferroviário (1ºBF) de Santo Ângelo. A conspiração tenentista prosseguiu com os objetivos de: depor o presidente Artur Bernardes, passando o poder a um político que cumprisse a Constituição de 1891 então desrespeitada; e de introduzir o voto secreto, eliminando a fraude eleitoral e estabelecendo uma justiça independente que respeitasse os preceitos liberais consagrados pelo regime republicano. O programa era limitado, já que as questões sociais não eram contempladas e sua execução caberia aos militares. Os “tenentes” não pretendiam mobilizar o povo. Em 1924, teve lugar o “Segundo Cinco de Julho” – o levante tenentista em São Paulo, sob o comando do general Isidoro Dias Lopes e do major da Força Pública desse estado Miguel Costa. Violentamente reprimidos pelo governo federal, os rebeldes se deslocaram para o Sul do país, estabelecendo-se na região de Foz do Iguaçu. Prestes participava da conspiração tenentista no Rio Grande do Sul e, ao mesmo tempo, preparava os soldados do 1ºBF para atuarem organizadamente no levante projetado. Na cidade de Santo Ângelo, onde instalou nova iluminação elétrica, gozava de grande prestígio. Em setembro de 1924, pediu demissão do Exército para melhor conduzir a conspiração no estado. O levante rio-grandense teve início na noite de 28 de outubro. Inicialmente contou com a adesão de poucas unidades militares e de alguns caudilhos simpáticos aos “tenentes” liderados por Assis Brasil, chefe civil dos “tenentes”. Os rebeldes em sua maioria foram logo desbaratados pelas tropas inimigas. Apenas o batalhão sob o comando de Prestes e do tenente Mário Portela Fagundes, com a adesão total dos seus soldados, deslocou-se para São Luiz Gonzaga. Nessa região, Prestes e Portela organizaram cerca de 1500 combatentes, mal armados, mas resistindo ao cerco de 14.000 homens mobilizados pelo governador Borges de Medeiros, com o apoio do presidente Bernardes. Devido à inferioridade numérica e de armamento dos rebeldes, Prestes executou um outro tipo de tática, conhecida como “guerra de movimento”: deslocar-se com grande rapidez, mantendo contato com o inimigo para assim conhecer seus movimentos e persegui-lo com eficácia. As “potreadas” – pequenos grupos de soldados que se afastavam da tropa rebelde para obter informações levadas aos comandantes – cumpriam essa missão. Mobilidade e surpresa, dois aspectos importantes da “guerra de movimento”, garantiram aos rebeldes o rompimento do cerco de S. L. Gonzaga, a formação da Coluna Prestes e a marcha exitosa rumo ao Paraná, ao encontro dos companheiros remanescentes do levante de São Paulo. Em abril de 1925, reunido em Foz do Iguaçu, com oficiais das tropas paulistas que, derrotados pelo general Cândido Rondon, pretendiam em sua maioria abandonar a luta, Prestes, em nome da vitoriosa Coluna gaúcha, afirma a decisão de dar prosseguimento ao movimento rebelde, propondo a marcha pelo interior do Brasil, atraindo as tropas governistas e propiciando levantes tenentistas nas capitais litorâneas. Parte da oficialidade paulista aceita a proposta e as tropas sob seu comando são incorporadas à Coluna Prestes, como seria conhecida. Seus combatentes formam quatro destacamentos, Miguel Costa torna-se o comandante, e Prestes o chefe do Estado-Maior da Coluna reorganizada. Contando com menos de 1.500 combatentes, inclusive 50 mulheres, a Coluna percorreu 25.000 km, atravessando o Brasil de Sul a Norte, de Leste a Oeste, tendo passado por 13 estados e participado de 53 combates, sem sofrer derrotas e vencendo 18 generais governistas. Desmentindo a propaganda do governo, a Coluna procurou fazer justiça por onde passou, atraindo a simpatia da população com que teve contato. Devido à precariedade do seu contingente numérico e do armamento disponível, os rebeldes não puderam atingir seus objetivos políticos iniciais, migrando militarmente invictos para a Bolívia. O contato com a população do interior do Brasil, durante o périplo da Coluna, contribuiu para que Prestes – sob o impacto do quadro de miséria que observou e que o surpreendeu – decidisse dedicar-se ao estudo das suas causas, passando a defender o encerramento da marcha. A partir de fevereiro de 1927, na Bolívia, inicia a leitura de obras marxistas, levadas por jornalistas brasileiros e por Astrojildo Pereira, então secretário-geral do Partido Comunista do Brasil (PCB), que faz o primeiro contato desse partido com o “Cavaleiro da Esperança” (denominação então lançada pelo jornal carioca A Esquerda). Na Argentina, desde 1928, Prestes sobrevive do comércio, enfrentando dificuldades, e trabalha como engenheiro civil. Lê O Capital de Marx, O Estado e a Revolução deContinuar lendo “O marxismo de Luiz Carlos Prestes”

Dicionário marxismo na América: um resgate histórico de memórias combatentes

Após meia década de trabalhos coletivos, vem a público obra que registra vida, pensamento e práxis política dos primeiros marxistas das nações americanas Por Yuri Martins-Fontes, Joana Coutinho, Pedro Rocha Curado, Felipe Deveza, Paulo Alves Jr. e Solange Struwka * O Dicionário marxismo na América é uma obra de resgate histórico da memória dos primeiros pensadores e militantes que, a partir do referencial teórico do materialismo histórico, se dispuseram a refletir e enfrentar os problemas sociais, políticos e econômicos próprios das novas nações americanas, dando início ao desenvolvimento do pensamento-luta marxista no continente. Trabalho educacional e crítico de características inéditas, sobretudo em língua portuguesa, o projeto é coordenado pelo Núcleo Práxis de Pesquisa, Educação Popular e Política da Universidade de São Paulo – organização que se dedica a atividades políticas e de educação popular – e envolve atualmente quase uma centena de pesquisadores voluntários, de diversos países, nessa operação de investigação arqueológica das origens do marxismo nas Américas. Os primeiros tomos, previstos para mais de mil páginas, trazem verbetes que abarcam biografias e ensaios sobre as ideias e práxis política de cerca de 150 marxistas que viveram, escreveram e atuaram nos países americanos – em um período que abrange desde o século XIX (formação do marxismo no continente), até os anos 1970 (quando se agrava a crise estrutural capitalista e se multiplicam os marxismos). Por ora, após meia década de esforços coletivos, o dicionário marxista começa a vir a público de modo gradual: seus verbetes poderão ser lidos livremente na rede, no formato de “artigos”, disponíveis periodicamente no portal do Núcleo Práxis-USP e republicados por destacados portais parceiros. Esta degustação prévia – do primeiro volume, relativo ao período de formação do marxismo na América – se estenderá ao longo dos próximos anos, visando tanto a popularização da obra (cujo objetivo é não só teórico, mas educacional), como dar espaço a leituras críticas e eventuais aprimoramentos dos textos, antes de vir a público em formato livro. Aguardada para breve, a publicação completa está a cargo das Edições Práxis em coedição com a Editora Expressão Popular, e contará com duas edições: uma impressa (a preços populares) e outra digital (gratuita). Primórdios da obra Nos idos de 2015, os fundadores do Núcleo Práxis-USP, entre encontros políticos e debates do Grupo de Estudos sobre o Marxismo (um de seus primeiros projetos), começam a cogitar expandir as atividades do coletivo no sentido da educação popular. Era uma época difícil, em que se gestava no Brasil um golpe de Estado – concretizado no ano seguinte. Em meio a este contexto, dois novos projetos são pensados: um fórum de discussão sobre direitos sociais (que pouco mais tarde foi constituído, em parceria com associações e comunidades da capital paulista); e uma antologia, em um só tempo crítica e didática – que reunisse ensaios sobre destacados marxistas latino-americanos, de modo a oferecer a estudantes e trabalhadores um panorama das teorias e práticas marxistas desenvolvidas em nossa América. Nesse processo, o coordenador-geral do Núcleo Práxis, Yuri Martins-Fontes, em reunião no Laboratório de Economia Política e História Econômica da USP, expôs a ideia ao professor Wilson do Nascimento Barbosa, que dirigia as pesquisas da entidade. Em uma tarde de diálogo, a ideia se lapidou e expandiu. Ao invés de mais uma antologia, com complexos artigos, que tenderia a se restringir ao território da academia – ponderou-se: por que não reunir mais esforços e produzir uma obra maior, uma publicação educativa, de referência, com textos mais breves mas que dessem conta de apresentar a grande diversidade de problemas e correntes do marxismo desenvolvidas por mais de um século ao longo do continente – um livro que pudesse servir não só aos estudos secundários e universitários, mas à formação política de jovens socialistas? A semente estava plantada. O projeto chegou a ser redigido e apresentado a uma prestigiada editora, que requereu um verbete, como exemplo. O coordenador respondeu a solicitação, elaborando um primeiro texto sobre Mariátegui, baseado no modelo que recentemente desenvolvera em sua tese sobre o marxismo latino-americano (depois publicada como Marx na América). A editorial aprovou a publicação, embora ressaltando que naquela conjuntura não poderia se engajar na produção do projeto. A realidade nacional – econômica, social, cultural – que não era favorável, logo se deteriorou. O Núcleo Práxis-USP contava então com pouco mais de uma dezena de membros, dentre os quais poucos se dispuseram à aventura. Sem apoio material ou ao menos estrutural, o plano foi engavetado. O renascimento No ano de 2018, o Núcleo Práxis vive um período de crescimento, como resultado da movimentação em torno de seus projetos – em especial o Grupo de Estudos (que então lia O capital, de Marx), a tradução coletiva Historia y Filosofía (seleção de Caio Prado Júnior, publicada em 2020, na Argentina), e o Fórum de Formação Política de Lideranças Populares (cujas conversas regulares reuniam educadores e lideranças comunitárias). Muitos militantes – pesquisadores de diferentes áreas, universidades e países – aderem ao coletivo. Com este movimento de expansão, a organização ganha ânimo e braços para considerar novas ações. Reuniões sobre possíveis rumos se sucedem, até que é aprovado o plano de se construir uma publicação periódica: uma revista política de viés popular, que oferecesse a estudantes e trabalhadores alguma voz dissonante naquele ambiente fascista que reverberava no país – época de crescente irracionalidade, senão apoiada, consentida pela grande mídia e demais forças neoliberais, irritadiças com as reformas sociais (básicas) dos governos populares. Nossa experiência com periódicos era pequena – limitando-se à de poucos membros, que na década de 2000, haviam editado por alguns anos o tabloide A Palavra Latina. Por outro lado, o bom momento do coletivo se mostrava na própria intenção, manifesta por vários dos participantes, de se embrenhar em um projeto periódico – de fôlego. Há um vai-e-vem de propostas, debates, até que o plano Dicionário é retirado da gaveta. Parcialmente reelaborado, é apresentado a interessados, em reunião que tem lugar em teatro do Centro de São Paulo, reunindo membros do Núcleo Práxis que orbitavam a ideia da publicação, além deContinuar lendo “Dicionário marxismo na América: um resgate histórico de memórias combatentes”