Escritor, militar, crítico literário, jornalista, professor e historiador, foi um dos principais intelectuais marxistas brasileiros – tendo abordado, em sua vasta obra, desde temas da cultura e história do Brasil a reflexões políticas, econômicas e filosóficas Por João Quartim de Moraes e Francisco Quartim de Moraes * WERNECK SODRÉ, Nelson (brasileiro; Rio de Janeiro, 1911 – Itu/SP, 1999) 1 – Vida e práxis política Filho de Heitor de Abreu Sodré, advogado oriundo de uma família de fazendeiros de café empobrecidos, e de Amélia Werneck Sodré, de mesma origem social, Nelson Werneck Sodré revelou desde cedo gosto pela leitura. Foi em casa, antes de começar a frequentar a escola pública, na Muda da Tijuca (Rio de Janeiro), que se sentiu motivado pelo “desejo profundo de aprender a ler”. Preocupado com o futuro profissional do filho, o pai aprovou seu ingresso no Colégio Militar, em 1924. Também precoce na escrita, em 1929 ele publicou seu primeiro conto – na revista O Cruzeiro. Em 1930, Sodré entrou na Escola Militar do Realengo, onde se graduou no final de 1933, iniciando como aspirante sua carreira de oficial do Exército. Mais tarde, ele evocaria em um de seus escritos autobiográficos o “tempestuoso período” atravessado pelo Brasil durante os anos finais de sua infância e os de sua juventude, marcados pelo movimento tenentista, a agonia da República oligárquica, o modernismo na literatura e nas artes e a Revolução de 1930. As tempestades políticas continuaram durante os primeiros anos de sua atividade como oficial: o Levante Comunista de 1935; e a ditadura do Estado Novo, instaurada por Getúlio Vargas em 1937. Porém, isto não o impediu de assumir seus deveres militares com responsabilidade, o que inspirou confiança a colegas e superiores hierárquicos. Em 1934, o jornal Correio Paulistano, com o qual colaborava desde 1931, convidou-o para exercer a crítica literária – tarefa que realizaria pelo próximo quarto de século. Em 1937, após ter servido em unidades militares de São Paulo, foi transferido para o Rio de Janeiro, onde entrou em contato com alguns dos mais importantes escritores brasileiros de então – desde expoentes do campo da esquerda, como era o caso de Graciliano Ramos e Samuel Weiner, como da direita, como Oliveira Viana e Azevedo Amaral. Em 1941, passou a escrever para o jornal O Estado de São Paulo, bem como para Cultura Política – revista teórica ligada ao regime ditatorial. Mais tarde, Sodré alegaria que, embora fosse politicamente “alienado” à época, não escrevia artigos que pudessem soar como bajulação ao Estado Novo; naquele contexto, Vargas buscava reagrupar em torno de seu projeto nacional intelectuais de várias tendências ideológicas – de Gilberto Freyre e Azevedo Amaral a Álvaro Vieira Pinto e Graciliano Ramos, empenhados em estudar de modo inovador a sociedade e cultura brasileiras. Transferido em 1942 para um grupo de artilharia na Bahia, Sodré não tardou em se aproximar do núcleo de intelectuais comunistas que lá atuavam. Embora ele levasse a sério a carreira militar, evitava que ela interferisse em sua consciência e ação política. Essa aproximação prosseguiu rumo às posições e lutas que o consagrariam como uma importante expressão do marxismo brasileiro. Por conta das perseguições do Estado Novo aos membros do Partido Comunista do Brasil (PCB), sua adesão partidária formal permaneceu sigilosa. Em 1943, a tese de que o Brasil deveria participar diretamente das operações da II Guerra Mundial na Europa, defendida por Oswaldo Aranha, ministro das Relações Exteriores, ganhou força na cúpula do Estado Novo, vencendo a relutância dos generais Gaspar Dutra e Góes Monteiro – dois dos principais chefes militares. Em 2 de julho de 1944, a Força Expedicionária Brasileira (FEB) embarcou para a Itália. Convencido de que o regime ditatorial do Estado Novo não era mais sustentável, Getúlio Vargas promulgou em 28 de fevereiro de 1945 uma lei constitucional convocando eleições gerais para 2 de dezembro, restabelecendo algumas atribuições ao Congresso e fixando parâmetros para a reforma da Constituição. Em 18 de abril de 1945, uma anistia geral dos presos políticos abriu caminho para o retorno dos comunistas à cena política nacional. Em 15 de maio, os sindicalistas getulistas formaram o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Sodré acompanhou de perto esta virada democrática, pois se fixara no Rio de Janeiro, desde 1944, para seguir o curso da Escola de Estado-Maior (que concluiu em 1946, recebendo a patente de major e o cargo de professor de História Militar na mesma Escola). As massas sindicalizadas, em crescente mobilização, defendiam a convocação de uma Assembleia Constituinte “com Getúlio”. Os comunistas também: em sucessivos comícios, Prestes, enfim livre após nove anos de prisão, anunciou apoio ao governo. O prestígio popular que a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) conferia a Getúlio assustava a burguesia liberal, a direita conservadora e a Embaixada estadunidense. Coube aos generais Dutra e Góes Monteiro (que oito anos antes apoiaram a instauração da ditadura) a tarefa de montar o golpe que deporia Getúlio em outubro de 1945. Um governo provisório conferiu poderes constituintes ao Congresso a ser eleito em dezembro. Sodré, crítico do Estado Novo, mas favorável à “Constituinte com Getúlio”, via no golpe liberal o estabelecimento de um dispositivo militar que, ainda sob o formalismo democrático, resguardava as forças conservadoras e lhes permitia o controle da situação. Nas eleições de dezembro de 1945, as eleições para a presidência da república foram disputadas pelo general Gaspar Dutra, candidato do Partido Social-Democrático (PSD), composto sobretudo de chefes políticos colaboradores do governo de Getúlio, e pelo brigadeiro Eduardo Gomes lançado pela União Democrática Nacional (UDN), que juntava a direita liberal antigetulista e pró-estadunidense. O PTB apoiou o candidato do PSD, que foi eleito. Porém, Dutra, após angariar os votos getulistas, aliou-se com Gomes e a UDN, formando o que Sodré chamou de “consulado militar”, que tratou o trabalhismo como inimigo, tratou a mobilização popular como assunto de polícia e, evocando os ódios da “Guerra Fria”, pressionou o Judiciário e o Congresso até conseguir que cassassem o registro do PCB, bem como os mandatos de Prestes no Senado e de todos os comunistas eleitosContinuar lendo “O marxismo de Nelson Werneck Sodré”