O marxismo de Euclides da Cunha

Engenheiro, jornalista dedicado a questões sociais e escritor (autor do clássico Os sertões), foi inicialmente influenciado pelo socialismo utópico, antes de se voltar ao marxismo, sendo adepto da II Internacional Por Mario Miranda Antonio Junior * CUNHA, Euclides Rodrigues Pimenta da (brasileiro; Cantagalo/RJ, 1866 – Rio de Janeiro, 1909). 1 – Vida e práxis política Euclides Rodrigues Pimenta da Cunha nasceu em Santa Rita do Rio Negro, hoje Euclidelândia, distrito municipal de Cantagalo, interior do estado do Rio de Janeiro, sendo filho de Manuel Rodrigues Pimenta da Cunha e de Eudóxia Moreira da Cunha. Na época, o Brasil estava envolvido na Guerra da Tríplice Aliança contra o Paraguai (1864-1870). Foi um período de intensas transformações sociais, econômicas, políticas – impulsionadas, por exemplo, pelas leis “Eusébio de Queiroz”, responsável pelo fim do tráfico negreiro, e “de Terras” (1850), fundamental para a ampliação da concentração fundiária no país, impedindo com isso a democratização do acesso à terra, sobretudo, aos trabalhadores imigrantes e ex-escravizados. Com este processo, garantiu-se o controle legalizado do monopólio agrário sob o domínio de poucos, bem como a disponibilidade de mão de obra barata, muitas vezes submetida ao trabalho não-assalariado, como era comum nas grandes propriedades (com as suas levas de posseiros, meeiros e agregados). Era o Brasil dos primórdios da indústria e da urbanização, do liberalismo político, do positivismo, do naturalismo; do abolicionismo e republicanismo; da expansão das ferrovias e do café em São Paulo e Rio de Janeiro, especialmente no Oeste Paulista (que desde 1880 ultrapassou a produção do Vale do Paraíba), móvel da economia agroexportadora até a década de 1930. A infância de Euclides da Cunha foi conturbada, perdendo a mãe com apenas três anos; como o pai não acreditou que teria condições de criá-lo sozinho, passou a viver com a irmã na casa de uma tia materna, em Teresópolis, região serrana do Rio de Janeiro. Pouco tempo depois a tia faleceu, obrigando os irmãos a se mudarem para casa de outros tios, em São Fidélis, cidade do mesmo Estado. Sua formação se deu na então capital federal (Rio de Janeiro), onde estudou no Colégio Aquino, na Escola Politécnica e na Escola Militar da Praia Vermelha, dos anos 1880 até meados de 1890. Lecionaram no Colégio Aquino figuras eminentes do Império, militares, políticos e cientistas, como o marechal Francisco Carlos da Luz, visconde do Rio Branco – pai do futuro barão do Rio Branco (amigo de Euclides) – e Joaquim Gomes de Souza, bastante conhecido à época por seus notáveis conhecimentos em matemática, física e astronomia. Além disto, entre 1878 e 1885 deu-se o protagonismo dos liberais no gabinete imperial e a consagração da “Escola do Recife” – de Tobias Barreto, Sílvio Romero, Clóvis Beviláqua, Farias de Brito, Graça Aranha, Araripe Júnior, a chamada “Geração de 1870”. Foi nesse contexto que Euclides frequentou, de 1885 a 1893, as escolas Militar e Politécnica, tornando-se aluno e amigo de Benjamin Constant, um dos notáveis do movimento republicano e do positivismo no Brasil. Euclides da Cunha foi um dos principais representantes do movimento republicano brasileiro, um intenso agitador nos quartéis e redações de jornais e revistas – tendo escrito com frequência, entre 1884 e 1909, em periódicos de São Paulo e Rio de Janeiro. Em 1888 escreveu sobre as “questões sociais”, fazendo uma apologia da democracia como sendo a característica dos regimes políticos daquele século. Ao longo de 1889, promoveu intensa agitação na imprensa em defesa da República, aludindo ao centenário da Revolução Francesa e seus heróis. Nestes anos de mobilização republicana, escreveu com frequência em A Província de São Paulo, que viria a ser, a partir da Proclamação da República, o jornal O Estado de S. Paulo. Nessa época de agitações e transformações sociopolíticas, a “questão social” ganhou centralidade no pensamento de Euclides, que a via como resultado dos problemas fundamentais do país, agravados com a consolidação do capitalismo, tais como: as contradições surgidas com o fim da escravidão, a reivindicação por trabalho assalariado livre, o acesso à educação laica e universal, o aumento da imigração estrangeira, a industrialização e a urbanização. Para ele, a Constituição de 1891 não havia assegurado as transformações políticas, econômicas e sociais que o ascendente proletariado almejava – insatisfação que se agravou com o fechamento do Congresso por Deodoro da Fonseca (1891), o autoritarismo de Floriano Peixoto (o “marechal de Ferro”) e a repressão contra as revoltas da Armada e Federalista. Desiludido com o governo republicano (àquela época ideologicamente inspirado no positivismo), Euclides licenciou-se do Exército e passou a atuar como engenheiro civil, cumprindo estágio na Estrada de Ferro Central do Brasil, até dar baixa e abandonar a farda definitivamente em 1896. Neste tempo, os ferroviários eram uma categoria já bastante consciente, sendo organizados e combativos – sua primeira grande greve ocorreu entre 1891 e 1892, no Rio de Janeiro, tendo sido brutalmente reprimida. Isto não passou despercebido ao olhar atento do jovem Euclides, que percebeu a importância das lutas destes trabalhadores para o movimento operário brasileiro. Em 1896, Euclides foi contratado pela Superintendência de Obras Públicas do Estado de São Paulo, tendo trabalhado em Santos, Bertioga, São José do Rio Pardo e São Paulo, dentre outras cidades – experiência que o colocou em contato direto com o jovem proletariado urbano, predominantemente anarquista e socialista. Por estes anos, tentou algumas vezes ingressar como docente na recém-criada Escola Politécnica de São Paulo (fundada em 1893). Para tanto, contou com a recomendação de destacados professores da Politécnica, como Theodoro Sampaio, Garcia Redondo e Ramos de Azevedo. Entretanto, não foi bem sucedido devido a controvérsias com Francisco de Paula Souza, diretor da instituição – Euclides havia publicado em O Estado de São Paulo artigos críticos ao projeto da escola. Ainda assim, ele persistiria em suas tentativas de se tornar professor até 1904, quando, após nova recusa da instituição, partiu para a Amazônia em missão diplomática. Ainda neste período do fim do século, um acontecimento marcaria a vida de Euclides: o início do conflito no arraial de Canudos, sertão da Bahia (novembro de 1896), quando camponesesContinuar lendo “O marxismo de Euclides da Cunha”