A obra “Veias Abertas da América Latina”, de Eduardo Galeano, é um marco na literatura latino-americana. Publicado em 1971, o livro oferece uma visão penetrante e dolorosa da história da exploração econômica, social e cultural da América Latina. Galeano utiliza a poderosa metáfora das “veias abertas” para descrever como, ao longo de séculos, os recursos naturais e a riqueza da região foram sistematicamente drenados para beneficiar potências estrangeiras, deixando os povos latino-americanos em um ciclo de pobreza e dependência. O livro examina episódios históricos desde a chegada dos colonizadores europeus até as políticas imperialistas dos séculos XIX e XX, mostrando como essas dinâmicas de exploração continuam a influenciar a realidade da América Latina nos dias de hoje. Por que ler “Veias Abertas da América Latina”? Ler Galeano é essencial para quem deseja entender as raízes dos desafios que a América Latina enfrenta atualmente. Sua escrita é ao mesmo tempo poética e incisiva, trazendo à tona verdades muitas vezes ignoradas ou esquecidas. A obra é uma chamada à reflexão sobre a nossa história e um convite para imaginar um futuro onde essas “veias” possam finalmente se curar. A mensagem de Galeano permanece relevante, nos lembrando da importância de reconhecer o passado para construir um futuro mais justo e equitativo. “Veias Abertas da América Latina” não é apenas um livro de história, mas um manifesto de resistência e esperança.
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O marxismo de Vicente Lombardo Toledano
Professor, advogado, sindicalista, político e jornalista, foi fundador da Confederação de Trabalhadores da América Latina e do Partido Popular Socialista mexicano, com destacada atuação nos debates públicos do período pós-revolucionário Por Pedro Rocha Curado e Athos Vieira * LOMBARDO TOLEDANO, Vicente (mexicano; Teziutlán/México, 1894 – Cidade do México, 1968) 1 – Vida e práxis política Vicente Lombardo Toledano nasceu no estado de Puebla, no seio de uma família de comerciantes de origem italiana. Seu pai, Vicente Lombardo Carpio, possuía propriedades e investimentos no setor de mineração, além de ter se envolvido com a política, sendo eleito prefeito de Teziutlán, em 1905. A infância e a juventude de Lombardo Toledano se passaram entre a última década do governo do general Porfirio Díaz (1876-1911) e as repercussões da Revolução Mexicana de 1910. O turbulento contexto social de seus anos de formação contribuiu para edificar nele o interesse pela política e história mexicana. Lombardo teve o privilégio de frequentar boas escolas; após realizar os primeiros anos de estudos no Liceo Teziuteco, foi enviado, em 1909, à Cidade do México para se matricular na Escuela Comercial Francesa. No ano seguinte, foi aprovado na prestigiosa Escuela Nacional Preparatoria, onde terminaria a formação escolar. Em 1914, ingressou na Faculdade de Direito da Universidad Nacional de México (UNM) – que em 1929 viria a ser denominada Universidad Nacional Autónoma de México – e logo direcionou seus estudos para temas sociais. Fundou, com seis companheiros, a Sociedad de Conferencias y Conciertos (1916), inspirados na experiência do Ateneo de la Juventud Mexicana – grupo que reuniu intelectuais críticos ao pensamento positivista dominante durante a época de Porfirio Díaz. O objetivo desta sociedade era promover uma cultura humanista entre estudantes e trabalhadores através de leituras públicas sobre o socialismo e debates sobre justiça, democracia, educação e sindicalismo. Os tempos eram favoráveis às pautas progressistas; as diretrizes sociais expressas na nova Constituição de 1917 – a primeira a conferir aos direitos trabalhistas um tratamento universal, além de garantir liberdades políticas e individuais de expressão, culto e associação – indicavam um país em rápida transformação. No ano de 1917, Lombardo assumiu o cargo de secretário da Universidad Popular Mexicana, posto que lhe permitiu atuar mais próximo ao movimento sindical. Tal relação nortearia sua atuação como político e educador por toda a vida. Dois anos depois, ele se licenciou em Direito. Em 1921, casou-se com Rosa María Otero Gama – com quem teve três filhas. Nesta década, passou a dividir sua atuação entre a política, o sindicalismo e a docência – atividades que desde então desempenharia sempre. Foi também nessa época que aprofundou seus estudos acerca do marxismo, passando a adotar o materialismo histórico como chave de leitura e interpretação das sociedades humanas, em particular a mexicana. No campo sindical, em 1921, associou-se à Confederación Regional Obrera Mexicana (CROM) – então a maior organização sindical do país –, logo se tornando membro do Comitê Central deste sindicato (entre 1923 e 1932); posteriormente, porém, rompeu tal ligação por divergências internas com a corrente colaboracionista pró-governo, e sua atuação sindicalista se estenderia por outras organizações. Já a carreira política de Lombardo Toledano teve início ao assumir o posto de governador interino de Puebla, diante de um contexto de forte crise institucional (entre 1923 e 1924). Em seguida, elegeu-se duas vezes para o cargo de deputado do Congresso da União (períodos de 1924-1925 e de 1926-1928), ambos pelo Partido Laborista Mexicano. Seus mandatos ficaram marcados por sua participação nas discussões pela regulação dos direitos trabalhistas, o que culminou com a promulgação da Ley Federal del Trabajo (de 1931) – voltada para o aprofundamento dos aspectos individuais, coletivos, administrativos e processuais do trabalho. Em 1927, tornou-se secretário-geral da Confederación Mexicana de Maestros; em 1932, da Federación de los Sindicatos Obreros del Distrito Federal (FSODF). A partir 1933 (até 1946) dirigiu a Revista Futuro, publicação que reuniu a intelectualidade revolucionária da época, discutindo temas-chave como a realidade mexicana, o movimento operário internacional e a II Guerra. No campo educacional, após acumular experiência com atividades docentes em diferentes institutos nos anos anteriores, Lombardo ajudou a fundar duas universidades: a Universidad Gabino Barreda (que só durou de 1934 a 1936); e a Universidad Obrera de México, fundada em 1936 (em atividade até hoje). Nesta última, lecionou disciplinas como “História das Doutrinas Filosóficas”, “Materialismo Dialético”, “Economia Política”, “Direito Trabalhista”, “História do México” e “História do Imperialismo”, entre outras. Assumiu o posto de reitor nas duas instituições (naquela, entre 1934 e 1936, nesta, entre 1937 e 1968). Em 1935, viajou para a União Soviética, interessado em conhecer de perto o desenvolvimento político e social do país; visitou várias cidades (como Carcóvia, Bacu, Tiblíssi e Sótchi) e, em Moscou, participou do VII Congresso da Internacional Comunista (IC). Este evento ficou marcado pela diretriz, feita aos Partidos Comunistas do mundo, de buscarem a construção de “frentes amplas” multiclassistas, como forma de conter o avanço dos partidos de extrema-direita em seus países; as deliberações da IC tiveram grande influência no desenvolvimento das estratégias políticas defendidas pelo marxista. Entre 1936 e 1940, Lombardo foi secretário-geral da Confederación de Trabajadores de México (CTM) – criada em 1936 para substituir a CROM. Durante este período, defendeu o apoio da organização ao governo do general Lázaro Cárdenas (1934-1940), pois o considerava “progressista”, tanto por implementar um programa de reforma agrária como por colaborar para a união dos mexicanos através da propagação de noções de equidade e do fortalecimento de uma consciência de “nação” – dois legados da Revolução Mexicana. A boa relação que manteve com o governo Cárdenas lhe permitiu avançar com novos projetos nos campos sindical e educacional. Assim, em 1938, ajudou a criar a Confederação de Trabalhadores da América Latina (CTAL), a maior organização trabalhista do continente (que em seu auge reuniu centrais sindicais de 14 países americanos) – da qual seria o presidente desde sua fundação até seu encerramento, em 1963. Entre 1945 e 1964, exerceu também o cargo de vice-presidente da Federação Sindical Mundial (FSM) – com sede em Paris, da qual passou aContinuar lendo “O marxismo de Vicente Lombardo Toledano”
O marxismo de César Guardia Mayorga
Professor, filósofo, poeta e intelectual marxista, notabilizou-se pela defesa da Reforma Agrária e da cultura indígena como fundamentos da construção nacional peruana Por Sara Beatriz Guardia * [Tradução: Yuri Martins-Fontes e Pedro Rocha Curado] GUARDIA MAYORGA, César Augusto (peruano; Lampa/Peru, 1906 – Lima, 1983) 1 – Vida e práxis política César Augusto Guardia Mayorga nasceu no estado de Ayacucho, no Sul do Peru. Fez a escola fundamental no distrito de Lampa e o ensino médio no Colegio Nacional Nuestra Señora de Guadalupe, em Lima, e no Colegio Nacional Independencia, em Arequipa, onde editou a revista estudantil Burbujas. Em 1929, entrou na Faculdade de Letras da Universidad Nacional de San Agustín, em Arequipa; na mesma instituição, cinco anos depois, obteve seu doutorado em História, Filosofia e Letras com a tese Apuntes de la sierra (1934) – descrita por um de seus examinadores como “uma importante contribuição à sociografia nacional”. No ano seguinte, Mayorga se casou com a professora Manuela Aguirre Dongo, com quem teria seis filhos. E em 1937, deu início às atividades de docência na mesma universidade em que se formou, passando a ministrar o curso de História da Filosofia Antiga e Metafísica. Neste mesmo ano, obteve um registro para atuar como advogado e publicou seu primeiro livro Historia contemporánea. Em 1943, na qualidade de presidente da filial de Arequipa da Associación Nacional de Escritores, Artistas e Intelectuales (ANEA), foi convidado a dar palestras sobre temas filosóficos no Chile, para onde viajaria, proferindo seis conferências e estabelecendo aí fecundas amizades. Dois anos depois, foi nomeado vice-diretor da Facultad de Letras da Universidad de San Agustín e publicou sua conhecida obra Reconstruyendo el aprismo (1945). Com o objetivo de se dedicar à docência universitária, em 1946 interrompeu sua atividade na advocacia. Neste ano publicou Psicología infantil y del adolescente e fundou a Facultad de Educación na mesma universidade em que dava aulas, além de ter assumido o cargo de diretor do Colegio Universitario e de diretor de conferências do Colegio de Abogados. No ano seguinte veio à luz seu fascículo Filosofía y Ciencia (1947) e, em 1949, preocupado com o problema de se desenvolver a educação e a filosofia no Peru, Guardia publicou o livro Terminología filosófica e o artigo “Reforma Universitaria” – na Revista de la Universidad de San Agustín, periódico ao qual, como diretor, ele deu nova orientação editorial. Por este tempo, o general Manuel A. Odría (1948-1956) levara a cabo um golpe de Estado contra o presidente José Luis Bustamante y Rivero (outubro de 1948), inaugurando um regime militar que passou a reprimir seus opositores. Assim, a fim de se legitimar no poder, em 1950 Odría convocou eleições, nas quais que se apresentou como o único candidato. Como resposta, protestos tomaram forma e, em junho deste ano, estudantes do Colegio de la Independencia, de Arequipa, entraram em greve contra a farsa eleitoral organizada pela ditadura militar. Entrincheirados em suas posições, os jovens rechaçaram a entrada da polícia que, por sua vez, não hesitou em usar armas de fogo; sangue foi derramado pelos corredores enquanto os estudantes corriam para a Plaza de Armas sem outra defesa que não fosse a força de sua indignação. Uma vez ali, decidiram subir a torre da catedral para tocar os sinos, numa tentativa desesperada de reunir apoio. A população respondeu: pessoas tomaram as ruas, formaram barricadas, ocuparam estabelecimentos e exigiram a demissão do coronel Daniel Meza Cuadra, prefeito de Arequipa. O protesto durou vários dias. Em reunião aberta, os insurgentes proclamaram uma Junta Provisória, cuja primeira ação foi lançar um manifesto apontando o início da “revolução pela liberdade do povo peruano e a reivindicação dos direitos de cidadania”. Uma greve geral foi decretada em seguida, contando com a adesão de instituições como a Universidad Nacional de San Marcos, o Colegio de Guadalupe (Lima) e as universidades de Cuzco, Puno e Trujillo. A repressão do governo recrudesceu, até que a Universidad de San Agustín – ponto nevrálgico da resistência – caiu em poder do exército. A rebelião contra a ditadura havia sido derrubada. Cerca de um mês depois, o governo informou ao reitor Alberto Fuentes Llaguno que a universidade seria fechada se o clima de agitação política continuasse. Algum tempo depois, no início de 1952, César Guardia Mayorga e mais sete professores (Teodoro Núñez Ureta, Humberto Núñez Borja, Eduardo Rodríguez Olcay, Ernesto Rodríguez Olcay, Alfonso Montesinos, Javier Mayorga Goyzueta e Carlos Nicholson) foram expulsos da Universidad Nacional de San Agustín sob a acusação de fomentar a rebelião estudantil. Obrigado a deixar seu país, Guardia foi convidado pelo sociólogo comunista Arturo Urquidi, reitor da Universidad Mayor de San Simón de Cochabamba, para dar aulas nesta instituição boliviana; mudou-se então para o país vizinho, onde foi nomeado professor das disciplinas de Introdução à Filosofia e de História da Filosofia. Durante os anos em que viveu com sua família na Bolívia, organizou e dirigiu o Seminário de Filosofia desta universidade, foi membro da Comisión de la Reforma Universitaria e colaborou com as revistas Jurídica e Cultura (a qual era dirigida pelo intelectual e jornalista Eduardo Ocampo Moscoso). Neste período, o marxista peruano viveu um tempo conturbado da história boliviana – o primeiro governo do presidente Víctor Paz Estensoro (1952-1956) –, em que a Universidad de San Simón sofreu a intervenção de uma “comissão organizadora”, a qual impôs ao Conselho Universitário a demissão de Guardia, devido a sua filiação comunista, além de ter expulsado outros docentes bolivianos também socialistas. Diante da arbitrariedade, organizou-se uma greve geral de professores e estudantes, movimento que acabaria por conseguir que o Conselho Universitário revogasse a decisão. Guardia Mayorga foi então informado de que poderia voltar a lecionar suas disciplinas de Filosofia; porém, respondeu dizendo que só regressaria quando todos os demais professores que haviam sido dispensados fossem recontratados. Após três meses de greve e mobilizações estudantis, os professores sancionados voltaram às salas de aula. Na Universidad de San Simón, Guardia Mayorga proferiu algumas de suas conferências mais emblemáticas, tais como: “Concepto de la Filosofía”, “Rumbos de la Filosofía y la CienciaContinuar lendo “O marxismo de César Guardia Mayorga”
O marxismo de Euclides da Cunha
Engenheiro, jornalista dedicado a questões sociais e escritor (autor do clássico Os sertões), foi inicialmente influenciado pelo socialismo utópico, antes de se voltar ao marxismo, sendo adepto da II Internacional Por Mario Miranda Antonio Junior * CUNHA, Euclides Rodrigues Pimenta da (brasileiro; Cantagalo/RJ, 1866 – Rio de Janeiro, 1909). 1 – Vida e práxis política Euclides Rodrigues Pimenta da Cunha nasceu em Santa Rita do Rio Negro, hoje Euclidelândia, distrito municipal de Cantagalo, interior do estado do Rio de Janeiro, sendo filho de Manuel Rodrigues Pimenta da Cunha e de Eudóxia Moreira da Cunha. Na época, o Brasil estava envolvido na Guerra da Tríplice Aliança contra o Paraguai (1864-1870). Foi um período de intensas transformações sociais, econômicas, políticas – impulsionadas, por exemplo, pelas leis “Eusébio de Queiroz”, responsável pelo fim do tráfico negreiro, e “de Terras” (1850), fundamental para a ampliação da concentração fundiária no país, impedindo com isso a democratização do acesso à terra, sobretudo, aos trabalhadores imigrantes e ex-escravizados. Com este processo, garantiu-se o controle legalizado do monopólio agrário sob o domínio de poucos, bem como a disponibilidade de mão de obra barata, muitas vezes submetida ao trabalho não-assalariado, como era comum nas grandes propriedades (com as suas levas de posseiros, meeiros e agregados). Era o Brasil dos primórdios da indústria e da urbanização, do liberalismo político, do positivismo, do naturalismo; do abolicionismo e republicanismo; da expansão das ferrovias e do café em São Paulo e Rio de Janeiro, especialmente no Oeste Paulista (que desde 1880 ultrapassou a produção do Vale do Paraíba), móvel da economia agroexportadora até a década de 1930. A infância de Euclides da Cunha foi conturbada, perdendo a mãe com apenas três anos; como o pai não acreditou que teria condições de criá-lo sozinho, passou a viver com a irmã na casa de uma tia materna, em Teresópolis, região serrana do Rio de Janeiro. Pouco tempo depois a tia faleceu, obrigando os irmãos a se mudarem para casa de outros tios, em São Fidélis, cidade do mesmo Estado. Sua formação se deu na então capital federal (Rio de Janeiro), onde estudou no Colégio Aquino, na Escola Politécnica e na Escola Militar da Praia Vermelha, dos anos 1880 até meados de 1890. Lecionaram no Colégio Aquino figuras eminentes do Império, militares, políticos e cientistas, como o marechal Francisco Carlos da Luz, visconde do Rio Branco – pai do futuro barão do Rio Branco (amigo de Euclides) – e Joaquim Gomes de Souza, bastante conhecido à época por seus notáveis conhecimentos em matemática, física e astronomia. Além disto, entre 1878 e 1885 deu-se o protagonismo dos liberais no gabinete imperial e a consagração da “Escola do Recife” – de Tobias Barreto, Sílvio Romero, Clóvis Beviláqua, Farias de Brito, Graça Aranha, Araripe Júnior, a chamada “Geração de 1870”. Foi nesse contexto que Euclides frequentou, de 1885 a 1893, as escolas Militar e Politécnica, tornando-se aluno e amigo de Benjamin Constant, um dos notáveis do movimento republicano e do positivismo no Brasil. Euclides da Cunha foi um dos principais representantes do movimento republicano brasileiro, um intenso agitador nos quartéis e redações de jornais e revistas – tendo escrito com frequência, entre 1884 e 1909, em periódicos de São Paulo e Rio de Janeiro. Em 1888 escreveu sobre as “questões sociais”, fazendo uma apologia da democracia como sendo a característica dos regimes políticos daquele século. Ao longo de 1889, promoveu intensa agitação na imprensa em defesa da República, aludindo ao centenário da Revolução Francesa e seus heróis. Nestes anos de mobilização republicana, escreveu com frequência em A Província de São Paulo, que viria a ser, a partir da Proclamação da República, o jornal O Estado de S. Paulo. Nessa época de agitações e transformações sociopolíticas, a “questão social” ganhou centralidade no pensamento de Euclides, que a via como resultado dos problemas fundamentais do país, agravados com a consolidação do capitalismo, tais como: as contradições surgidas com o fim da escravidão, a reivindicação por trabalho assalariado livre, o acesso à educação laica e universal, o aumento da imigração estrangeira, a industrialização e a urbanização. Para ele, a Constituição de 1891 não havia assegurado as transformações políticas, econômicas e sociais que o ascendente proletariado almejava – insatisfação que se agravou com o fechamento do Congresso por Deodoro da Fonseca (1891), o autoritarismo de Floriano Peixoto (o “marechal de Ferro”) e a repressão contra as revoltas da Armada e Federalista. Desiludido com o governo republicano (àquela época ideologicamente inspirado no positivismo), Euclides licenciou-se do Exército e passou a atuar como engenheiro civil, cumprindo estágio na Estrada de Ferro Central do Brasil, até dar baixa e abandonar a farda definitivamente em 1896. Neste tempo, os ferroviários eram uma categoria já bastante consciente, sendo organizados e combativos – sua primeira grande greve ocorreu entre 1891 e 1892, no Rio de Janeiro, tendo sido brutalmente reprimida. Isto não passou despercebido ao olhar atento do jovem Euclides, que percebeu a importância das lutas destes trabalhadores para o movimento operário brasileiro. Em 1896, Euclides foi contratado pela Superintendência de Obras Públicas do Estado de São Paulo, tendo trabalhado em Santos, Bertioga, São José do Rio Pardo e São Paulo, dentre outras cidades – experiência que o colocou em contato direto com o jovem proletariado urbano, predominantemente anarquista e socialista. Por estes anos, tentou algumas vezes ingressar como docente na recém-criada Escola Politécnica de São Paulo (fundada em 1893). Para tanto, contou com a recomendação de destacados professores da Politécnica, como Theodoro Sampaio, Garcia Redondo e Ramos de Azevedo. Entretanto, não foi bem sucedido devido a controvérsias com Francisco de Paula Souza, diretor da instituição – Euclides havia publicado em O Estado de São Paulo artigos críticos ao projeto da escola. Ainda assim, ele persistiria em suas tentativas de se tornar professor até 1904, quando, após nova recusa da instituição, partiu para a Amazônia em missão diplomática. Ainda neste período do fim do século, um acontecimento marcaria a vida de Euclides: o início do conflito no arraial de Canudos, sertão da Bahia (novembro de 1896), quando camponesesContinuar lendo “O marxismo de Euclides da Cunha”